Notando
que poucas pessoas têm real conhecimento sobre a origem das peculiaridades dos
sotaques dos vários estados do Nordeste, das nossas várias palavras e
expressões; e pior, vendo que esta falta de conhecimento é um dos fatores
preponderantes que levam a uma deterioração do orgulho na nossa maneira de
falar (e por conseguinte até na nossa própria história), percebo que é de
grande importância tentar falar ao menos um pouco mais sobre aspectos
esquecidos do nosso sotaque, tão carregado de símbolos e de riqueza histórica.
Depois
de obter a mínima informação, qualquer pessoa consegue perceber que essa
conversa toda de sotaque mais bonito ou mais feio e mais "correto" ou
mais "errado" não passa de mera ladainha que vem servir apenas como
mais uma das bases de dominação dos centros às periferias, assim como são as
econômicas, políticas ou quaisquer outras. Vendo isto, e aproveitando meu
conhecimento sobre diversas formas de falar de portugueses e espanhóis, resolvi
esclarecer alguns pontos sobre nosso dialeto, os quais, de forma espantosa,
praticamente ninguém conhece, mas que chegam a ser coisa meio óbvia, a fim de
demonstrar o quão ricos são os sotaques (...porque são vários) nordestinos.
Para tanto, tendo em vista um enriquecimento da leitura por parte do leitor,
utilizarei como recurso certas ligações... à semelhança duma Wikipédia.
Começo
a falar sobre o assunto tomando a princípio duas das mais famosas interjeições
nordestinas; interjeições que muitas vezes são tidas como símbolo maior da
"ignobilidade", ainda que de forma velada, nordestina: nomeadamente,
o "oxe" e o "vixe".
Para
quaisquer dúvidas inciais, a palavra "oxe" (diminutivo de
"oxente") tem seu significado proveniente de "ó gente", e
expressa sensação de estranheza para os habitantes do nordeste brasileiro. Embora
muitos não saibam, assim como as palavras "vixe" e "vige"
(provenientes de "vixe Maria"), que por sua vez vêm de "virgem
Maria" (expressando espanto), "oxente" na verdade já vem dos
antigos sotaques do Portugal nortenho, mais precisamente dos portugueses
transmontanos e alto minhotos que imigraram ao Nordeste ainda nos tempos de
colônia; além de vir também dos dialetos das várias levas de galegos (povo
proveniente do noroeste da Espanha) que vieram ao Brasil. Nas regiões
portuguesas de Trás-os-Montes e Alto Minho, em muitos lugares é comum falar
"paxar", em vez de "passar"; "raxo", em vez de
"raso" , "xente", em vez de "gente", e
"virxe" ao invés de "virgem" etc. Na língua galega, tais
formas são tidas inclusive como, mais que meras formas de sotaque, as oficiais
pela academia que rege a língua, sendo comum ouvir-se pela região gritos de
"ó xente" (ó gente).
Para se verificar melhor essa relação,
veja-se que em muitas regiões do nordeste do Brasil, "galego" é o
termo mais popular para identificar pessoas com aparência norte-europeia, tal
como os vocábulos "alemão" e "russo" são usados em São
Paulo. Isso ocorre principalmente porque no Nordeste os alemães não marcaram
tanta presença, e portanto durante o período colonial até a primeira metade do
século XX, as pessoas mais claras eram majoritariamente do Portugal do norte e
da região fronteiriça luso-galega, onde as pessoas são por natureza mais alvas
e de cabelos mais claros. Isso até por fatores referentes à história da
povoação de ambas as regiões, majoritariamente composta por tribos celtas, como
os brácaros (oriundos da região de Braga, Portugal) e os celtiberos (que
inclusive saíram daquela área para colonizar as ilhas britânicas anos mais
tarde. Mas esta é outra história...); além dos posteriores povos germânicos,
notadamente os suevos, não havendo ali tão significativa presença moura.
É
curioso que no Nordeste seja corriqueiro o uso da palavra "galego"
para designar pessoas com tais características, mas que pouco se saiba sobre a
origem dessa palavra, que tão claramente nos remete à Galiza espanhola. Muita
gente acredita que a grande incidência de pessoas com caracteres norte-europeus
(cabelos e olhos claros) no interior do Nordeste do Brasil (principalmente nas
áreas interiores dos estados de Pernambuco e Paraíba) se deve sobretudo aos
holandeses que teriam fugido sertão adentro na época da reconquista portuguesa.
Esta tese não deve ser descartada; pelo contrário, é muito plausível. Apesar da
carência de provas documentadas sobre as famílias flamengas no interior (até
porque eram fugidas, logo não queriam dizer aos quatro cantos que eram
estrangeiras, e por conseguinte preferiram ir aos lugarejos mais isolados),
temos vários indícios revelando a razoabilidade dessa teoria, tais como as
tradições orais do povo, além da aparência. Porém tal tese se complementa
melhor também pela da imigração galega.
O
Sul da Galiza mandou ao longo de séculos muitos colonos ao Brasil, sendo quase
impossível determinar quantos brasileiros possuem ao menos um ancestral galego
hoje em dia. É sabido que o português do Brasil (ao menos em sua fonética) é
mais fiel ao português arcaico (parecido com o galego) do que ao português de
Portugal, daí que muitas vezes seja mais fácil para nós entendermos um
habitante da Galiza do que um luso (se falarmos dos açorianos então, aí nem se
discute). Palavras das mais diversas, comuns no falar simples dos interiores do
Brasil (muitas vezes tidas como simples expressões de ignorância por parte das
camadas mais humildes), vêm comprovar as heranças linguísticas peculiares.
O
tido como tão nordestino "cabra", por sua vez é outro termo que é
originário da influência do português falado no Nordeste brasileiro nos tempos
de colônia. O comum "cabra da mulesta", por exemplo, vem de
"cabra da 'moléstia'" (o "o" átono torna-se um
"o" puxado ao som de "u", como é comum em Portugal), que por
sua vez vem de "'cabrão' da moléstia". "Moléstia", coisa
ruim, perigosa, doença... como é sabido por todos. Já "cabrão", em
várias regiões de Portugal, é o mesmo que homem ruim, mais comumente -safado-.
Na península Ibérica essa palavra (modificada de acordo com os devidos dialetos
regionais) é muito usada para chamar alguém de "coisa ruim" ou algo
do gênero; basta ver também a forma espanhola "cabrón", "cabrón
de mierda", etc. e sua etimologia. No Nordeste do Brasil ao longo do
tempo mudou-se a palavra de "cabrão" para "cabra".
"Cabra da mulesta", "cabra da peste", querem dizer em
síntese alguém valente, perigoso, forte. Nada se tem a ver com o animal. Muitas
vezes algumas pessoas que nunca nem no Sertão já pisaram querem dar uma
etimologia como que teatral à palavra. Frequentemente se vê um desinformado,
convicto de suas credenciais só porque é professor doutor da Universidade de
Algum Lugar do Sul, opinar aqui e ali que a palavra se dá em razão de o
"homem nordestino" (o tal "homem nordestino", aquele dos
filmes e novelas sudestinos, que não somos nós) ser, por exemplo, "forte
que nem cabra", e outras dessas coisas que na verdade, por mais que possam
não parecer à primeira vista, revelam uma visão um tanto estereotipada da
região e de seu povo (como se Nordeste fosse só Sertão das secas brabas e
vaqueiros perecendo sob o Sol e a palma). A palavra viria, segundo eles, em
razão de o homem nordestino ser forte como cabra, muito forte, porque é
"sertanejo que sobrevive superando todos os sofrimentos, da dentição
difícil, do sarampo certo, da caxumba, da desidratação inevitável, da catapora,
da coqueluche e do amarelão, e de tudo mais que atormenta a vida de um cristão
nascido no Nordeste"... e de todo mais aquele bafafá estereotipado que já
nos cansa os ouvidos como nordestinos normais, e não meros coitados, como
gosta-se de pintar.
Outro
ponto que merece ser valorizado é o que diz respeito ao famoso
"visse" nordestino. Na verdade este é outro resquício linguístico que
nos remete ao português mais tradicional. É do "viste" e do
"ouviste", de fato, que vem o tão comum "visse". Em alguns
lugares de Portugal se pergunta com frequência em fim de frase:
"viste?" "ouviste?"; bem como em muitos lugares da Espanha:
¿viste?, ¿viste tú?. Aqui tornaram-se o "visse", "viss?"
("viss", isso mesmo, não aquele negócio estranho, aquele
"vissíí" tão consagrado por Suzanas Vieras e relacionados). Trata-se
apenas dum resquício da conjugação correta dos verbos na segunda pessoa que
permanece no Nordeste, embora adaptada a um sotaque regional; forma que no Sul
já não existe mais (ao menos popularmente) tendo lá o "tu" uma
conjugação -sempre- associada à terceira pessoa (a que se associa ao
"você"): "tu falou", "tu pagou", "tu
comprou" (confundindo-se com "você falou", "você
comprou", etc.). No Nordeste só se mudou a pronúncia do "t", que
passou a ser mais imperceptível adequando-se à característica limpa e como que
seca geral dos sotaques da região (aos das áreas de letras e essas coisas, não
vou ficar aqui falando daqueles termos estranhos que ninguém sabe o que quer
dizer... "africatos", "palato-linguais",
"sub-nasais"... etc. É limpo e seco mesmo e acabou-se) tornando-se um
"s". A mesma característica seca que transformou o "v" do
"ave Maria" num "f" duro do "afe Maria" (muito
conhecido como "aff"). Engraçado... "secura" esta que, confesso,
não tenho aqui tantas evidências históricas para afirmar mas, veja-se: de onde
parece vir essa peculiaridade nordestina, quando vemos que o "v", no
neerlandês, pronuncia-se "f" (assim como no alemão...) e quando vemos
que o "te" átono (no neerlandês, equivalente ao som de
"tie"), nessa mesma língua, pronuncia-se como o nosso átono
"se"... "Secura", na
verdade provável resquício de uma herança flamenga em nossos interiores. No Nordeste,
enfim, é muito comum perguntar-se, por exemplo, "fosse?", "comprasse?",
"pagasse?" (como diz Lenine em seu clássico Jack Soul Brasileiro); em
vez de "foste?", "compraste?" e "pagaste?". Aí se
veem traços duma rica herança histórica. Piadas com o "visse" realmente
são de fazer rir: faz-se piada, vejam, afinal, com o português correto.
'
Da
Galiza e do português arcaico falado na época colonial ainda vêm os
"tamém", "despois", "ferruge",
"tresantonte", "saluço", "entonce",
"num" ("não", na Galiza "nom"; em Miranda do
Douro, "nun"; nas Astúrias, também "nun". "Em
riba", ao invés de "em cima", "a donde", em vez de
"aonde"; "derribar", no lugar de "derrubar". Do
português nortenho comum ainda hoje temos o "barrer", em vez de
"varrer"; "bassoura", ao invés de "vassoura", e
mesmo o muito nordestino "brabo", mais forte que o "bravo".
É comum o nordestino dizer que, quando alguém está agitado ou chateado, está
"aperreado". Palavra esta que pode ser vista como simples gíria
matuta, feia, à qual sudestinos levantam o nariz. Mal se sabe que na verdade
nos leva a um rico português arcaico, em que cachorros eram "perros"
(assim como ainda são em espanhol) e estar aperreado queria dizer o mesmo que
estar entre "perros". Além disso, ainda também do período de União
Ibérica, compreendido entre 1580 a 1640, quando Portugal e Espanha formaram um
só país, tendo o Brasil (parte de Portugal no momento) por conseguinte sido
domínio espanhol, temos várias formas que revelam um rico intercâmbio entre os
colonos portugueses e os espanhóis no momento: formas verbais como
"vinhesse" ("viesse"); palavras tidas como matutas, como
"oitcho", em vez de "oito" (vindo do castelhano
"ocho"), "leiche", em vez de "leite" (do
castelhano "leche"), "muintcho", ao invés de
"muito" (pelo "mucho"); "pregunta", no lugar de
"pergunta", entre tantas outras. São palavras comuns à gente simples,
não só de várias localidades do Nordeste, mas também de muitos interiores desse
Brasil, que muitas vezes são tidas como simples erros de ignorância, nunca
sendo vistas como heranças culturais legítimas passadas de pai para filho através
dum povo que ainda não perdeu seus traços tradicionais por ocasião de uma maior
"educação" moderna, e que detêm de fato sua riqueza histórica (muitas
vezes são é o que caracteriza o popular dito de que "o espanhol seria um
português mal falado" ou outro desses preconceitos enraizados). Tais
palavras são apenas alguns exemplos indicadores duma identidade linguística que
supõe relacionamentos muito antigos. Tudo isto vem comprovar, na ausência de
mais fontes históricas documentadas relacionadas à evolução das formas verbais
especificamente, a influência do galego e do Norte de Portugal no linguajar
nordestino.
Por
consequência da colonização, muitas dessas formas, como "vixe Maria"
e "oxente", no Brasil, manifestaram-se originalmente na população mais
ao interior do Nordeste, onde vários lugares ficaram por muito tempo mais
isolados (até pelas características geográficas e econômicas da região). Daí se
terem mantido algumas das particularidades daqueles sotaques nortenho e galego.
A
população das capitais nordestinas de zonas mais úmidas, como Recife e
Salvador, que sempre usaram uma variante da língua mais puxada às tendências
modernas, já usam as expressões por influência do interior. As formas
abreviadas "oxe", "oxen" e "vixe" são as mais
comuns nas grandes cidades, ao contrário do que acontece em várias das cidades
menores do interior do Nordeste, onde as formas completas prevalecem.
É
engraçado que evidências tão claras, até óbvias, sobre a herança do falar
regional não sejam reconhecidas ou sequer notadas por grande parte da
população. Tanto brasileira no geral como mesmo a nordestina em si, as quais em
vez de valorizar o sotaque e a tradição procurando por material consistente
para isso, dedicam-se a debates intermináveis sobre a etimologia de várias
palavras que no fim só nos levam a invenções e explicações fajutas, e por
muitas vezes cômicas (alguns dizem que "forró", do velho
"forrobodó", viria de "for all", nada mais falso. Outros
chegam, pior, ao extremo de dizer que "oxente", na verdade viria de
"oh shit", por causa de soldados americanos etc.), apenas
demonstrando sua falta de conhecimento histórico em relação ao nosso país e às
raízes do povo. Além da sua tendência contemporânea ao anglicismo, sempre visto
com preponderância sobre a nossa própria História. Definições que só vêm
contribuir para a perpetuação do estigma dum Nordeste subserviente, burro da
cabeça chata. Esquece-se que o povo brasileiro não é só uma mistura de raças
que surgiu magicamente a partir dos 1500 e virou uma coisa própria. No Brasil
não há conhecimento relevante ou sequer interesse por parte da população sobre
sua própria História verdadeira. Se sabe apenas que houve índios, negros e
portugueses. Quem sabe dizer quais tribos habitavam a região onde moram? De que
região da África são os tais ancestrais negros cuja identidade muitos defendem
a todo custo por aí em movimentos de negritude (com argumentos muitas vezes
hipócritas, tem-se que dizer)? Quem eram (ou mesmo são) os portugueses? Ninguém
sabe no país. Por isso nem se sabe da existência do povo galego, quem foram
nossos antepassados, o que é de fato nossa forma de falar, quem somos no país,
de onde viemos mesmo. Quem somos nós, enfim.
Mas
voltando ao âmbito da geopolítica, apesar de toda a legitimidade e riqueza aqui
demonstrada, tem-se hoje no eixo meridional brasileiro uma visão de que os
sotaques das áreas interiores e das áreas mais ao Norte não passam de
corruptelas do português sudestino, este o dito "bonito", mais
civilizado, e o preferido por todos os meios de comunicação do país (embora eu
não saiba quando ao certo, e de onde, vieram concepções tão deturpadas. Talvez
saiba, parece-me que toda esta concepção de variante mais culta ou mais matuta,
comum a quase todos os povos do mundo com línguas suficientemente grandes para
tal, não passam de pura ilusão formada pela propaganda do meio regional mais em
destaque em direção ao meio regional menos favorecido). Se há corruptelas, a do
Norte que certamente não é. Embora na verdade, o português do Nordeste (e por conseguinte
do Norte), no Brasil estabelecido antes do sudestino, seja tão mais preservado
e fiel em relação às variantes ibéricas tradicionais (veja-se, por exemplo, o
uso do "t" e do "d" junto ao "i" no nordeste
nordestino. Especificamente: Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do
Norte, onde se diz "ti" e "di", e não os comuns sudestinos
"txi" e "dji", invenções do eixo Sul guarani brasileiro) e
traga tão mais indícios duma herança secular legítima da lingua portuguesa e
seus vários gradientes, trata-se hoje duma variante vista por muitos como algo
"feio", que deve ser mudado, apenas alvo de simples desdém.
Muitas
pessoas que não param para reparar no mundo à sual volta talvez achem que
comentários sobre variantes das formas de falar não passariam de detalhes
inúteis à vida prática. Mas percebo que na verdade a língua, assim como
qualquer outro fator cultural, apresenta-se como ponto crucial no que determina
a dominação de uma região por outra, usando-se da instauração, por meio da
imposição de mentalidade, da estima fraca às populações mais à margem,
que têm sua identidade deturpada para depois ser ridicularizada. Trata-se dum
assunto voltado para a área linguística, mas que não deixa de ter grandes
implicações políticas, e sobretudo (e mais importante) práticas.
Sobre
esse ponto é até cabível a exposição de uma passagem histórica conhecida na
qual Elio Antonio de Nebrija, à época dos grandes descobrimentos espanhóis,
organizou a primeira gramática duma língua moderna, a Gramática Castelhana,
como presente à Rainha Isabel de Castela. Ao entregá-la, disse do que se
tratava a obra, e a rainha, meio desdenhosa, respondeu-lhe: "para quê
preciso disso, se já sei falar a língua?" Nebrija sagazmente lhe
respondeu: "porque as línguas sempre foram companheiras dos
impérios". De acordo com o estudioso, através da língua é que seria
possível manter a unidade e o controle sobre os povos conquistados, bem como
seria por ela que a empresa de destruir as culturas locais seria facilitada.
Nada mais coerente com o que se tem visto desde aqueles tempos até os dias
atuais. A propaganda é tudo no que diz respeito à mentalidade dos povos. E
assim como a propaganda ao longo dos anos fez do Nordeste e de seu sotaque algo
visto muitas vezes através duma visão caricata, também podemos nós nos valer
dessa mesma propaganda para incutir (...ou desincutir, se pensarmos bem) em
todos uma visão totalmente oposta, que valorize nosso patrimônio e que traga a
cada um mais apreço em relação à região Nordeste e à sua História (material em
potencial, como foi visto, não falta); o que, associado a vários outros fatores
da mesma ordem, por conseguinte contribuiria para nos trazer maior crescimento
e desenvolvimento, e enfim uma terra a que se pode chamar, por todos os vieses,
de decente.
Valorizemos
todos enfim nossa forma de falar. É nobre, é rica, é pura (não põe todas as
vogais do alfabeto entre uma consoante e outra, como algumas aí meio
assoberbadas ...porque mostraram ao mundo o que é a Cidade de Deus), sendo ao
menos a mim engraçado é ouvir piadas em relação a ela, e o pior, de gente sem
eira nem beira, a bem da verdade. O sotaque nordestino e todas as suas
manifestações traz consigo vários significados antigos e que merecem respeito e
nota. O sotaque do Nordeste, além da forma como nos identificamos oralmente,
também é uma fonte incontestável da História da região.
Não
preciso terminar aqui escrevendo uma frase forçada usando as nossas expressões
mais estereotipadas e "arretadas" (...engraçado que eu sempre usei
essa palavra mais para dizer que estou muito irritado do que para dizer que uma
coisa é "muito boa", como é a forma tão mais divulgada pelo país. Só
sou eu...? Tenho essa curiosidade... Enfim) para criar de improviso um
sentimento de pertença como muitos fazem por aí quando falam em
"defender" o Nordeste. Não é preciso porque este sentimento de pertença
já existe, o Nordeste tem uma cultura comum; e porque sabemos como falamos. Não
precisamos por nosso orgulho regional também exagerar e nos passar por
caricatos que fazem jus às piadas, não precisamos também encher o saco de
ninguém por aí afora dizendo: "olha, sou do Nordeste, sou do Nordeste,
minha terra!!! ...e as cabras, e a fome!!! ...e a ladainha da palma na terra
rachada!!! Que saudade da minha terra!!!" (quando vai ver esses é que são
os mais hipócritas: "amam a terra", têm saudade mas não pisam nela há
mais de década só passeando na boa por São Paulo). Sabemos que não somos também
figuras teatrais dum Auto da Compadecida (ótimo filme, mas apenas isso, filme)
para acatar mansamente aos estereótipos sustentados por aqueles que dos
nordestinos gostam de fazer piada. Assim é que se impõe a maneira de ser: sendo
nós mesmos. Não atendendo forçadamente ao estereótipo do coitado, morto de
fome, ou o da galera do "Ó Paí Ó"... Basta que nós, como verdadeiros
brasileiros do Nordeste, valorizemos o que é genuinamente nosso, nosso povo e
nossa forma de falar; e achemos enfim estranho que, por exemplo, repórteres que
não consigam se expressar em sotaque sudestino não sejam contratados pelos
jornais locais (quem dirá nacionais), ou que intérpretes nordestinos sejam discrimidados
em conferências. Que o sotaque nordestino seja associado a falta de
credibilidade, entre tantas outras coisas do tipo.
Sempre
de forma natural, nunca vestindo a carapuça.
Não
desmerecendo os falares das outras regiões, pelo contrário, valorizando nossas
diferenças regionais. Apenas percebo que em relação àqueles o falar dos
nordestinos (e sublinhe-se aqui que o Nordeste não tem apenas um sotaque, mas
vários sotaques: embora todos igualmente ignorados) é muito escanteado. Tem-se
uma grande riqueza oral que deve ser explorada; como a bem da verdade se
apresenta tudo neste país. Temos muitos recursos fabulosos, muitas vezes
desconhecidos pela população, correndo até o risco de se perderem, e que acabam
por não ser explorados. Isso tanto no âmbito linguístico, como no cultural,
natural, econômico, profissional, educacional, e por aí se vai.
Wander Amorim
Fonte:http://acoroadamoeda.blogspot.com.br/2009/10/o-falar-nordestino_8703.html